17.10.11

O dead me enforca na line dele

"E capricha na linguagem brasileira universal, tá?",  foi o que ele me pediu, como se linguagem brasileira universal fosse uma das opções do Final Draft ou do Magic Screen Writer. Você clica em LBU e seu texto será entendido nos pampas, serrados, praias, selvas e caatingas do país, sem contar os aglomerados urbanos e seus múltiplos guetos. 

Nunca tinha ouvido falar de Reinaldo Moraes e nem do livro Pornopopeia. No máximo, confundi com o Pornopolítica do Arnaldo Jabor. Comecei a leitura e dei de cara com um cineasta decadente, viciado em drogas, bêbado, com um casamento falido e muitas dívidas a pagar. A chance de voltar a ganhar dinheiro era com um vídeo institucional para uma empresa de embutidos de frango. Durante muitas páginas, Zeca, um quarentão que nem chegou a estudar Cinema direito, fica procrastinando fazer esse roteiro. Bebida, ligar para o traficante, ler e-mails, marturbação, dar uma passadinha na Augusta, tudo é motivo para não começar a escrever. Some a isso um amigo sessentão que adora sair para trair a mulher e um hippie que toca harpa e leva o Zeca a uma "autêntica surubrâmane Zebuh-bhagadhagadhoga" (não pergunte). Esse ritual secreto só pode ser o acontecimento da vida do protagonista. Foi narrado em detalhes e, depois de voltar, o Zeca resolveu colocar a sua história no papel com a intenção de que pudesse virar um bom roteiro de um longa. O livro é todo narrado em estilo de diário não-linear, como se o personagem principal estivesse conversando com um editor de livros.

A primeira metade da história se resume a esse ciclo: Zeca quer se inspirar quimicamente para o roteiro e pede ao traficante para trazer mais droga. Ele fica tão louco que vai visitar prostitutas ou sai para encher a cara. Hiberna, acorda acabado de ressaca e pede mais droga/fuma um baseado para se inspirar e... Até que o traficante é atingido durante um tiroteio entre policiais e o PCC. Na frente da produtora do Zeca, que por acaso estava dentro do carro esperando receber uma peteca de cocaína. E é claro que depois que isso acontece na sua vida você foge para o litoral paulistano, na casa de praia de um amigo. A partir daí, José Carlos, fugitivo da polícia, tem uma vida de banhos de mar, corridas na areia e flertar com a dona de uma pousada local para conseguir free hospedagens e refeições.

Pornopopeia tem uma linguagem viciante. Bem do tipo que te faz sentar no terminal de ônibus e terminar o capítulo antes de andar para o estágio ou para casa. Mas não gostei. E não foi porque o Zeca é um machista ridículo, que fala cada coisa desnecessária (como soltar um barro antes de voltar a escrever sua história), irresponsável, que só continua com a mulher porque é sustentado pelo cunhado. Foi porque ele não existe. Em 660 páginas, não consegui imaginar um Zeca real. Tudo bem que estou viciada nessa coisa de efeito de real que aprendi na aula de redação de um jornalismo mais literário, mas um cara que mal toma banho e só se relaciona bem com traficantes e putas não é alguém que seduz pobres caiçaras das praias paulistanas e nem mulheres na menopausa só porque tem olhos azuis. Sem contar que se fosse para enviar um roteiro plagiando um comercial que o próprio Zeca já tinha produzido, não precisava demorar cinco dias para pensar nessa saída, hein. E olha que eu nem tenho tantos anos de procrastinação.

Zeca não convence como cineasta, nem como garanhão e nem como pai. Apesar das tentativas de Reinaldo Moraes resgatar a memória do Pedrinho, filho do protagonista com a esposa, em alguns momentos da trama. Pornopopeia não convence. Nem a Lia, a mulher traída. Ainda que ela seja a personagem mais legal da história por ser professora de ciência política e ter arranjado um amante bonitão. Mas quem ficaria tanto tempo sem pedir o divórcio e deixaria o irmão sustentar o marido fracassado? Olhos azuis não fazem tantos milagres.

5 comentários:

Kamilla Barcelos disse...

Eu nunca tinha ouvido falar do livro. Ao ler sua resenha eu fui me interessando pela história. Mas quando vi que 660 páginas, meio que decepcionei. Estou empacada num que tem quase isso e traumatizei. haha Depois li que vc não agradou e o nosso gosto para livro é bem parecido.

Nina Vieira disse...

(acho que comentei nesse post, mas deve ter tido algum erro e o comentário não saiu).

Gosto mais dos personagens reais. Desses que podemos ser ou encontrar pela rua. Isso explica minha paixão por Benedetti, muitas vezes. Mas se a leitura, de certa forma também diverte, talvez chegue a valer à pena.
Abraços.

L and the Bijous disse...

Oi, Luisa (:

No meu caso, a preferência é por literatura fantástica. Acho que mexemos com a "escrita do real" o suficiente (mesmo com seus limites). Daí procuro coisas diferentes - um escape mesmo.

Recentemente, li um livro muito bom: A insustentável leveza do ser. Já leu? Se não, procure saber. Acho que você vai gostar.

Beijos (:

Mari Bocorny disse...

Vale a pena dizer que eu não entendi. Você dedicou um post pra falar de um livro de uma maneira encantadora só para, no final, dizer que não gostou e não recomenda?
Claro que eu vou ir atrás pra ver como que é, ver se realmente convence ou não. Mas fiquei interessada.

Mayra disse...

Nunca ouvi falar desse livro, mas quando os personagens são irreais demais a magia da historia simplesmente some. Não precisa ser alguém que realmente exista, mas que existiria caso o mundo fosse o do livro, pelo que voce falou nao é esse o caso do Zeca e olhos azuis realmente nao fazem tantos milagres.