10.11.11

This is it


Poucas pessoas ficam tão felizes com o horário de verão. Talvez porque morei a vida inteira numa cidade onde anoitece sempre alguns minutos antes das 18h, sorrio para o céu quando saio do estágio ou entro para a aula da noite e ainda tem sol. Foi por isso que numa quinta-feira qualquer andei as duas ou três quadras que separam a Secretaria de Saúde, onde estagio, da Beira-mar. Não esperei o ônibus no ponto de sempre. Atravessei a avenida e caminhei um pouco ouvindo o barulho do mar numa orelha e a música do Criolo na outra. Achei uma escadinha que descia para a mínima faixa de areia naquela orla que não dá praia. Sentei num degrau e fiquei anotando no meu bloquinho as diferenças que me vinham à cabeça entre a Beira-mar de Floripa e Litorânea de São Luís, as duas avenidas equivalentes dessas cidades. A intenção era fazer um post sobre isso aqui no And make me smile, mas a vontade se perdeu junto com minhas anotações. E olha que aquelas folhas soltas passaram muito tempo ao lado do meu notebook esperando serem digitadas. 

A comparação entre as avenidas foi só um dos posts que não se concretizaram por aqui. Planejei diversos textos sobre bastidores de coberturas para o jornal-laboratório Zero, temas que me familiarizei no meu estágio ligado ao SUS e livros muito bons que li como O livro amarelo do terminal e a máquina de fazer espanhóis (fotografado no cabeçalho). Nesse meio tempo, perdi mais voos, fui ao Planeta Terra, vi Strokes de pertinho, vivi outras experiências antropológicas e não contei nada disso aqui. A vontade de escrever não me falta, mas sinto como se não coubesse mais nesse blog. Sempre quis arranjar um título em português e me mudar para o wordpress. O estopim foi quando escrevi um texto que gostei bastante de fazer para Redação 6 e, como não seria publicado, amigos sugeriram que eu postasse no meu blog e se comprometeram a compartilhar o link no facebook. Nunca gostei que pessoas da vida real lessem essa página e tava mais do que na hora de me assumir como blogueira na faculdade de jornalismo. Por isso terei que deixar de lado meus textos pessoais, escrevê-los apenas para mim.

Esse blog me rendeu ótimas amizades e o endereço vai ficar aqui até o servidor do blogspot surtar e deletá-lo sem minha permissão. Apresento em primeira mão meu novo blog, que nem está totalmente estruturado ainda. Vai uma dose de tiquira?

17.10.11

O dead me enforca na line dele

"E capricha na linguagem brasileira universal, tá?",  foi o que ele me pediu, como se linguagem brasileira universal fosse uma das opções do Final Draft ou do Magic Screen Writer. Você clica em LBU e seu texto será entendido nos pampas, serrados, praias, selvas e caatingas do país, sem contar os aglomerados urbanos e seus múltiplos guetos. 

Nunca tinha ouvido falar de Reinaldo Moraes e nem do livro Pornopopeia. No máximo, confundi com o Pornopolítica do Arnaldo Jabor. Comecei a leitura e dei de cara com um cineasta decadente, viciado em drogas, bêbado, com um casamento falido e muitas dívidas a pagar. A chance de voltar a ganhar dinheiro era com um vídeo institucional para uma empresa de embutidos de frango. Durante muitas páginas, Zeca, um quarentão que nem chegou a estudar Cinema direito, fica procrastinando fazer esse roteiro. Bebida, ligar para o traficante, ler e-mails, marturbação, dar uma passadinha na Augusta, tudo é motivo para não começar a escrever. Some a isso um amigo sessentão que adora sair para trair a mulher e um hippie que toca harpa e leva o Zeca a uma "autêntica surubrâmane Zebuh-bhagadhagadhoga" (não pergunte). Esse ritual secreto só pode ser o acontecimento da vida do protagonista. Foi narrado em detalhes e, depois de voltar, o Zeca resolveu colocar a sua história no papel com a intenção de que pudesse virar um bom roteiro de um longa. O livro é todo narrado em estilo de diário não-linear, como se o personagem principal estivesse conversando com um editor de livros.

A primeira metade da história se resume a esse ciclo: Zeca quer se inspirar quimicamente para o roteiro e pede ao traficante para trazer mais droga. Ele fica tão louco que vai visitar prostitutas ou sai para encher a cara. Hiberna, acorda acabado de ressaca e pede mais droga/fuma um baseado para se inspirar e... Até que o traficante é atingido durante um tiroteio entre policiais e o PCC. Na frente da produtora do Zeca, que por acaso estava dentro do carro esperando receber uma peteca de cocaína. E é claro que depois que isso acontece na sua vida você foge para o litoral paulistano, na casa de praia de um amigo. A partir daí, José Carlos, fugitivo da polícia, tem uma vida de banhos de mar, corridas na areia e flertar com a dona de uma pousada local para conseguir free hospedagens e refeições.

Pornopopeia tem uma linguagem viciante. Bem do tipo que te faz sentar no terminal de ônibus e terminar o capítulo antes de andar para o estágio ou para casa. Mas não gostei. E não foi porque o Zeca é um machista ridículo, que fala cada coisa desnecessária (como soltar um barro antes de voltar a escrever sua história), irresponsável, que só continua com a mulher porque é sustentado pelo cunhado. Foi porque ele não existe. Em 660 páginas, não consegui imaginar um Zeca real. Tudo bem que estou viciada nessa coisa de efeito de real que aprendi na aula de redação de um jornalismo mais literário, mas um cara que mal toma banho e só se relaciona bem com traficantes e putas não é alguém que seduz pobres caiçaras das praias paulistanas e nem mulheres na menopausa só porque tem olhos azuis. Sem contar que se fosse para enviar um roteiro plagiando um comercial que o próprio Zeca já tinha produzido, não precisava demorar cinco dias para pensar nessa saída, hein. E olha que eu nem tenho tantos anos de procrastinação.

Zeca não convence como cineasta, nem como garanhão e nem como pai. Apesar das tentativas de Reinaldo Moraes resgatar a memória do Pedrinho, filho do protagonista com a esposa, em alguns momentos da trama. Pornopopeia não convence. Nem a Lia, a mulher traída. Ainda que ela seja a personagem mais legal da história por ser professora de ciência política e ter arranjado um amante bonitão. Mas quem ficaria tanto tempo sem pedir o divórcio e deixaria o irmão sustentar o marido fracassado? Olhos azuis não fazem tantos milagres.

4.10.11

Destrocando

Numa rápida retrospectiva dos últimos quatro anos, eu bem que falaria da separação da Sandy & Junior, do orkut perder lugar para o facebook, do Obama, da Dilma, do Niemeyer e da gripe suína. Deixaria de lado a queda do diploma, que aconteceu antes mesmo que entrasse na faculdade. Falo isso porque não escrevi aquela retrospectiva que abriu o post de aniversário atrasado do blog. Parecia eu, né? Mas foi a Kamilla, do Mundo Efêmero.

Há umas duas semanas, quando ela reclamava que tinha esquecido do aniversário (também de quatro anos) do blog dela, lembrei que eu também tinha esquecido do meu. Tive uma ideia maluca. E se cada uma escrevesse um texto pro blog da outra? Eu fingiria ser mineirinha mineirinha e a Kamilla, uma maranhense fora de casa. Não é que deu certo? Escrevemos os textos trocados, recebemos elogios indiretos e aposto que muitos de vocês nem perceberam diferenças de estilo. É claro que eu dei uma estudada nos posts dela pra tentar trazer um sotaque de Patos de Minas para minhas palavras. Funcionou? Lê o que eu escrevi lá e me conta: Do grego 'ephêmeros'.

Saudade, rap e UFSCTOCK

Imagine um festival organizado pelo DCE, alunos de uma universidade e coletivos independentes da cidade numa vibe woodstockiana. Assim é o UFSCTOCK (não resistiram ao trocadilho), que acontece no campus desde 2009. Ampliando o leque cultural da edição 2011, teve teatro, artes visuais, exposições e picnic. Entre as atrações, algumas bandas catarinenses, o rapper-mais-hype-de-Sampa Criolo Doido e até um grupo da Paraíba.

Criolo Doido lotou a tenda do UFSCTOCK com público que fugia da chuva chata

Foi uma semana de experimentação. Assisti a duas apresentações teatrais na Udesc (uma não vinculada ao festival, mas tudo bem) e vale lembrar que nem conheço os teatros de São Luís. A primeira era, na verdade, uma apresentação do ex-estudante de cênicas que mora comigo sobre como o corpo sente saudades. A outra, uma peça fruto das disciplinas de montagem desse ano e inspirada no texto de Brecht: O homem ajuda o homem?

Dançar rap e forró esferográfico ("uma caneta bic transforma o violão em um misto de rabeca, cello e violino, num tom mais grave") também não era algo que estava nos meus planos. O rap foi com o já citado Criolo Doido, com mais de 20 anos de carreira na música e arte-educador. A história dele é muito bacana, mas prefiro que você leia na entrevista das páginas negras da Trip sobre educação. O importante é que as músicas dele são poesia, dançantes e "nem parecem rap". Como escreveu um conhecido meu na cobertura do show, quem torceu o nariz quando soube que teria rap no UFSCTOCK acabou balançando esse mesmo nariz de cima pra baixo enquanto acompanhava as letras do Criolo. A verdade é que ele me conquistou com esse trecho da música Sucrilhos: "Cientista social, Casas Bahia e tragédia / Gosta mais de favela do que Nutella".

"São Paulo é um buquê. Buquê são flores mortas."

O tal forró esferográfico veio com a banda paraibana Cabruêra. Dizem que o começo do show foi um tédio só, eu perdi. Cheguei a tempo de ouvir solos de guitarra com referências nordestinas ao fundo, mas logo o vocalista sacou a caneta bic azul e ensinou a pegada esferográfica aos catarinenses & simpatizantes. Foi aí que a apresentação deslanchou. Teve trenzinho (não me atrevi), túnel de quadrilha e integrantes da banda se jogando no mar de universitários. O grand finale foi uma ciranda de cantigas de roda que tomou conta da tenda de 600m² da estrutura do festival. Largamos a mão para pular ouvindo Escravos de Jó num domingo à noite sóbrio. Eu estava ali no meio.

A última experimentação da semana é que eu cobri música pela primeira vez. A banda era a manézinha Felixfônica, que abriu o último dia de festival (ontem). Passei a semana ouvindo o cd cheio das referências nordestinas com rock progressivo e escrevi Baião, samba, maracatu e todas as referências pela cobertura colaborativa do site ufsctock.com. O outro texto que me fez ganhar pulseirinha de organização e crachá de imprensa foi sobre um piquenique inusitado, organizado pelo Coletivo Sem Fronteiras, que promove a utilização de lugares antes inexplorados da ilha.

25.9.11

Em tempo, aniversariando

No dia 10 de setembro o And make me smile completou o seu quarto aniversário. Muita coisa aconteceu durante esse tempo. Descobriram o pré-sal no Brasil; Michael Jackson morreu; a dupla Sandy e Junior se separou; Romário se igualou a Pelé e fez 1000 gols; o Orkut deixou de mainstream e perdeu lugar para o Facebook; o primeiro presidente negro foi eleito nos EUA; a primeira presidente mulher foi eleita no Brasil; Amy Winehouse morreu; Gripe Suína assolou o mundo; Tiririca foi o deputado federal mais votado do país; Steve Jobs deixou a presidência da Apple; Bill Gates não é mais o homem mais rico do mundo; ocorreu terremoto no Haiti; outro terremoto aconteceu no Japão; STF aprovou a união homoafetiva; STF dispensou o diploma para exercer a profissão de jornalista; Osama Bin Laden foi morto; José Saramago morreu e o Oscar Niemayer ainda está vivo.

Durante esse tempo, eu passei de estudante pré-vestibulanda, neurótica com os estudos, para estudante de Jornalismo. Olhando para trás, eu não apenas amadureci a minha escrita, mas minhas ideias. Da despretensão dos textos dos velhos tempos, para um compromisso maior com a escrita. Compromisso também pode ser lido e interpretado como um manejo melhor com as palavras. Não sei se adquiri isso com a vida, com as leituras que fiz ou com a faculdade. É bem provável que tem sido com essas três opções. Os textos antigos têm uma nostalgia com cadência tão fofa e tão menina-com-trancinhas. Não, eu nem usava trancinhas. Os textos mais recentes têm um tom mais independente e sabor saudades Guaraná Jesus.

Conheci Zooey Deschanel e me tornei sua fã, apesar de ouvir frequentemente das pessoas a minha a volta que ela é do tipo blasé e sem sal. Li mais livros da Isabel Allende, o que tornou o meu interesse pela América Latina cada vez maior. Perdi mais voos de avião e descobri que esse dom é genético. Não gostei da Reforma Ortográfica, embora tenha me rendido a ela. Afinal, serei jornalista, não posso desprezar a minha matéria-prima. Pela primeira vez, participei do Horário de Verão.

Foram temas dos meus textos: palestras que assisti, livros que li, filmes que vi, o meu cotidiano na faculdade, as minhas impressões do mundo a minha a volta, alguns momentos de pura arrilia, Maranhão, encanto e desilusão com o meu curso, alguns micos... O blog, além de ser o registro disso tudo, foi a fonte de novas amizades. Algumas eu conheci pessoalmente. Mas todas elas fazem parte diretamente da minha vida. Ora, eu me vejo lembrando de textos de vocês, ora me recordo da atenção que você me dão e dos comentários que deixam aqui. Com vocês têm mais graça comemorar aniversário e fazer essa retrospectiva.

8.9.11

Gregor

Há três anos, era obrigada a levantar cedo, colocar um uniforme verde e assistir aulas sobre platelmintos. Hoje tenho Kafka como leitura obrigatória. Isso sim é subir na vida.


Fico me perguntando se só eu imaginava que um dia Gregor acordava como um inseto e vivia como se nada tivesse mudado. Afinal, é assim que o livro começa:

"Numa manhã, ao despertar de sonhos inquietantes, Gregor Samsa deu por si na cama transformado num gigantesco inseto"

Não é o que acontece. Ele nem consegue se levantar, porque deixou de ser bípede e agora tem inúmeras perninhas. Também é óbvio que não continua a ir trabalhar.

Talvez seja meio trapaceira por ter terminado o livro depois da aula sobre Kafka, mas me identifico profundamente com o Gregor. Quem nunca acordou depois do horário e ficou se julgando pelo atraso, se martirizando ao mesmo tempo em que não sentia a menor vontade de levantar e começar o dia dali? Quem não a mesma dificuldade de Gregor para ficar de pé (ele acordou como um inseto emborcado), mas não era uma dificuldade física e sim psicológica? Quem nunca cansou da vida que estava levando e desejou acordar como um besouro gigante para ter razão em ficar em casa?

Kafka faz descrições geniais e fico me perguntando quantos besouros, baratas e afins ele observou para escrever esse livro. Nunca gostei tanto de um inseto.

5.9.11

Aqui não é casa dos espíritos

Enrolada nos meus cobertores quentinhos, dormia virada para parede quando senti um braço me empurrando e ouvi um sonoro "PSIU". Abri os olhos e vi alguém no banheiro, que fica em frente a minha cama. Pisquei e não tinha mais ninguém. Já sonhei com morcegos cortantes na Litorânea, em São Luís e que o Hélio Flandres era convidado da Semana do Jornalismo, mas esse pesadelo me deixou impressionada. E outra: era pesadelo?

Já li Zíbia Gasparetto, já fui numa sessão espírita, mas não me sinto muito bem falando sobre isso. Inclusive tenho medo de escrever esse texto antes de dormir. Os livros de Isabel Allende são recheados de mulheres que podem prever o futuro, entortar colheres e fazer dançar o açucareiro. Sem contar os espíritos que aparecem em sonhos (!). A clarividência dá um charme para A Casa dos Espíritos, Paula, De amor e de sombra e outras obras da chilena. Gosto de ler essas histórias. Não gosto de sentir presenças ou aparições-relâmpago no meu banheiro. Não quero ter nada de Clara, Evangelina ou da própria Isabel. Pode ser?