21.7.11

Soy antropóloga

“É pra qual jornal mesmo?” é a pergunta que acaba com qualquer entrevista feita por um estudante de jornalismo. Como falar para uma fonte, especialista ou dona de uma tapiocaria, que a reportagem é uma atividade de aula e não vai ser publicada? O entrevistado te dá nome completo, idade, celular, CEP e nome do cachorro enquanto o futuro jornalista foge de maiores satisfações e às vezes inventa um jornal-laboratório que não está produzindo.

O clima é outro numa pesquisa de campo antropológica. Você conversa com Eduardo, o segurança, João pipoqueiro e o José do guarda-volumes da rodoviária. Sem nem perguntar o sobrenome e ainda pode anotar que o José era medido a comunicólogo e o João, mal criado. A entrevista acaba e eles te deixam ir sem a pergunta que assusta principalmente aos calouros: onde vai ser publicado?

Jornalismo e antropologia não são cursos tão diferentes. O trabalho começa com apuração em campo e termina num escritório, quando é hora de escrever o texto jornalístico ou acadêmico. Teóricos das duas áreas tiveram a mesma ideia de associar os cinco sentidos à prática de cada profissão. Tanto Ryszard Kapuściński quanto Roberto DaMatta valorizam o jornalista e antropólogo, respectivamente, que ouvem, olham, cheiram e sentem suas pautas e seus objetos de estudo. Pelo menos na antropologia o mito da objetividade já foi derrubado e o eu do etnógrafo, quem faz a pesquisa de campo, aparece nas pesquisas mais recentes. O jornalista direciona entrevistas, decide o que fotografar e seleciona fontes, mas consideramos nossa prática objetiva. Preferimos a notícia livre da subjetividade que o preço da gasolina livre de impostos.

A apuração do antropólogo pode durar seis meses, dois anos, o tempo suficiente para ele conhecer toda a cultura de uma população numa ilha perdida do pacífico, no meio da selva amazônica ou no próprio bairro onde mora. Jornalista tem que agir como se conhecesse um estado a três mil quilômetros de distância depois de passar no máximo sete dias no local e ainda trazer informação relevante. Texto jornalístico não prevê um capítulo sobre dificuldades de pesquisa, principalmente com a economia de caracteres feita para caber anúncios cada vez maiores nas páginas dos jornais. Editor é a figura que o jovem jornalista mais teme. Nem se vê tentando vender uma pauta que precisaria de meses de apuração e, quem sabe, mais de um ano para escrever o texto completo, como num doutorado. Nesse caso, o editor perfeito seria o CNPq, a Fapesc ou orientador de TCC.

Uma dica que a professora de antropologia dá num portunhol enrolado aos estudantes, que não sabiam o que era pesquisa de campo até então, é para não se acostumar com os detalhes de uma cultura e anotar num diário todas as experiências. Se o pesquisador começa a achar normal a rotina de uma tribo que pratica rituais secretos e privados, logo acha desimportante o exorcismo de demônios bucais, o apego a poções mágicas e ao curandeiro e tendências masoquistas, como o rito exclusivamente masculino de raspar e lacerar o rosto com um instrumento afiado. Agora imagine um jornalista que propõe pautas como “Homens e mulheres utilizam hoje aparelhos movidos a um líquido amarelado para chegar aos locais de trabalho”, “Brasileiros se vestem para mais um dia” ou “1 milhão de bebês desconhecidos nasceram hoje no país”.

Com ou sem subjetividade e anúncios gigantescos deformando as matérias impressas, bom seria se o deadline pudesse esperar que os jornalistas compreendessem toda uma realidade e traduzissem a apuração num texto digno de Esso. E que os entrevistados dos ainda universitários, apressados com o próximo compromisso, esquecessem todos de perguntar do destino daquela reportagem. Como diria a professora, “A diferença entre antropologia e jornalismo é que ninguém sabe o que é antropologia”. O João pipoqueiro era tão mal criado que nem quis saber por que eu estava fazendo tantas perguntas.

p.s.: Crônica produzida para a disciplina de Redação V e que será publicada na Zero Revista assim que terminarmos de arranjar ilustrações e diagramar.

7 comentários:

Anônimo disse...

Tenho dois amigos que trabalham juntos, porém em profissões diferentes mas iguais: antropologia e jornalismo. E sao irmãos os dois.
Já me caracterizaram as semelhanças de ambas as profissões e continuo com essa conclusão de que jornalista sofre mesmo. E muito.

Bia disse...

Eu não posso ver/ouvir a palavra 'antropologo' que lembro daquele filme MUITO tosco 'as melhores coisas do mundo', aff!
Chega me desfoquei do real assunto do post!

marcela disse...

Duas áreas que lidam basicamente com a coisa mais complexa desse universo: o ser humano. Ambas igualmente fascinantes!
Beijão!

marcela disse...

Duas áreas que lidam basicamente com a coisa mais complexa desse universo: o ser humano. Ambas igualmente fascinantes!
Beijão!

marcela disse...

Duas áreas que lidam basicamente com a coisa mais complexa desse universo: o ser humano. Ambas igualmente fascinantes!
Beijão!

Isadora disse...

acho tão bonito quando encontramos esses pontos iguais entre as profissões e paramos pra tentar entender uns aos outros!

(só falo isso pq já atirei pra todos os lados! hahahaha!)

Kamilla Barcelos disse...

Não imaginava que as pessoas tinha essa fixação por perguntar onde vai ser publicado. haha Não sei s econsidero vaidade ou apenas curiosidade. Sua crônica ficou excelente!