16.8.11

Não-lugar

Numa sala de embarque metade vazia e a outra também, ninguém senta ao meu lado, os poucos passageiros se distribuem na lanchonete, na livraria ou cada um está com seu eletrônico de estimação. Um homem de meia-idade passa pela minha fileiras de cadeiras cinza de assentos azuis, como boa marca da Infraero, e para em frente ao vidro que mostra um estacionamento de aviões e, mais ao longe, uma avenida muito movimentada. Eu nunca desci no Rio de Janeiro. O que eu conheço, além das experiências midiáticas, são essas imagens agora na minha frente. Alguns prédios, muitos morros. Morros mais altos que os de Florianópolis, habitados até o topo como os da capital catarinense. Ali ao lado, um morro que teve o topo aplanado para uma construção. Não tenho a menor ideia de que igreja é essa. Da outra vez que pousei aqui, pude ver o Engenhão e o Corcovado. Aqui tem uma loja que mostra camisetas I Love Rio na vitrine, vendendo experiências falsas para quem, como eu, só está de passagem. Estou num não-lugar.

"Você chega no não-lugar 
com a (carteira de) identidade 
nas mãos para provar sua inocência"

No conceito antropológico, lugar pressupõe uma relação com o espaço ocupado, o lugar tem uma história, é singular. O não-lugar é ocupado por pessoas em trânsito, caracterizando uma individualidade solitária, a passagem, o provisório e o efêmero. Esse aeroporto poderia estar em qualquer lugar do mundo. Mesmo olhando, através do vidro, para a cidade, quem sabe eu poderia estar em Florianópolis ou Kingston, na Jamaica. O mesmo vale para supermercados, cinemas e franquias do Mc Donald’s. O não-lugar não tem sentido nenhum para mim, nem para o homem com o paletó na mão que está indo para a lanchonete e nem para a mulher que estava sentada nesse mesmo lugar antes de mim. E o mais engraçado disso é esse conceito aplicado ao turismo. Hoje as pessoas viajam muito mais que antes e buscam refúgio em marcas e fast-foods conhecidos. Em lugares novos, a gente se encontra no Burger King (ufa, reconheci alguma coisa!), na latinha de coca-cola e nos shoppings. Até quando vamos atrás de uma Starbucks da vida é o reconhecimento das nossas experiências mediadas das séries e filmes americanos.

Já escrevi vários textos marcados como “voos atrasados”, sempre ficava intrigada observando aeroportos, pessoas nos aviões e até os próprios comissários. Depois que mudei de estado, essa vida passageira virou parte de mim, ainda mais com todos os vôos que realmente já perdi, Foi numa aula aleatória de Antropologia Social que esse conceito pulou na frente dos meus óculos para eu poder enxergar. Depois que decidimos que nossa primeira pesquisa de campo seria na rodoviária Rita Maria, a professora argentina falou no seu portunhol de sempre sobre o conceito de Marc Augé. O não-lugar não foi tão efêmero assim pra mim.

p.s.: Tanto que tentei finalmente criar outro blog com esse nome e, bem, o domínio já estava ocupado. Usando não-lugar ou qualquer uma das variações. E agora, Augé?

6 comentários:

Amanda disse...

Me lembrei daquele filme com Tom Hanks. Esqueci o nome, mas enfim.
O aeroporto é tipo um limbo, né? Você não está em canto nenhum, mas está nele.


Enfim.

Ana Luísa disse...

Ei Lu! Eu considero essas conexões de aeroporto como um limbo mesmo, um não-lugar. E fico sentada, analisando, também.. Aliás, também sou fã de analisar aeroportos e pessoas em aeroportos..
Beijos!

Ana Luísa disse...

(hahaha), Agora que fui ler o comentário da Amandinha e vi que ela também considera um limbo!

Anônimo disse...

Eu também me lembrei do filme com o Tom Hanks - O Terminal. Imagine viver em um aeroporto por quase um ano? #tenso.
Mas penso que essa etapa é "transitória", por mais que isso seja eufemismo ou trocadilho infame. O jeito é tenatar passar sem perceber, sentar, ler um livro, orientar-se. A última parte é mais difícil. Mas nada custa tentar.

Isadora disse...

Todo mundo pirando no Tom Hanks ;)

Aeroportos são fantásticos, e eu amo ficar horas esperando. Passo horas diárias também em rodoviárias (rimou), e fico imaginando a história de cada um. Penso se eles pensam sobre a minha, também.

Carlos Massari disse...

eu gosto muito dessa coisa de "não lugar". de estar em um nada. e aeroportos realmente passam essa sensação, sem dúvidas.