24.5.11

E os olhos cheios de mágoa então

Para ouvir: http://www.youtube.com/watch?v=rYEDA3JcQqw&feature=player_embedded#at=101

Atordoada ela se foi. Gritos no banheiro de um pub baladado. Gritos que disputavam com o volume excessivamente alto da banda que tocava há pouco tempo. Uma frase, não, a frase que ela não queria escutar. Desistiu de tentar mais uma vez. Tirou forças não sabe de onde, deu um esbarrão. De propósito, também não sabe o porquê. Saiu apressada desviando das mesas, lugar apertado. Só queria sair dali. Tentam impedí-la, ela só tem vontade de gritar. Gritar a angústia, tira essa amargura do meu peito, gritar para a rua inteira ouvir, gritar para sua voz chegar doutro lado da ponte. Não grita, apenas fala alto. Quer sair dali a qualquer custo, me solta, me deixa ir. Fica livre. Não da amargura, nem da angústia. Encontra a noite, um princípio de vento sul adiantando que o outono acaba em breve. Celular na mão. Não ia ser estúpida de quebrar outro celular por raiva. A coincidência é que a mesma pessoa causaria o incidente. E fazer o que agora? Dá alguns passos cambaleantes, nem estava bêbada. Lembrou que estava de salto alto, um scarpin coral que pouco correspondia com o que estava sentindo. Tirou os sapatos, ainda sem entender o que estava fazendo. Quando deu por si, corria. Corria como não o fazia há bons anos, talvez desde a época que brincava de pega-pega. E, talvez, fosse normal encontrá-la correndo, ali na Beira-mar, se não fosse o scarpin na mão, a maquiagem pesada e a saia de cintura alta. Noite. Beira-mar quase deserta. Atravessou três ou quatros ruas transversais sem olhar para os lados, sem se preocupar se o sinal estava fechado ou não. Acreditava no semáforo. Desistiu de atravessar a própria Beira-mar e suas quatro pistas em cada sentido com a mesma rapidez que desistiu de jogar o celular no chão. Adrenalina, se perguntava o que os porteiros dos prédios caréssimos estariam pensando, foda-se, continuava. Nunca se sentiu tão viva, nunca sentiu tanto. Tanto que o peito começou a arfar. Não era cansaço. Apesar do sedentarismo. Era o choro descendo pela primeira vez na noite. Era o choro engolido há quase uma semana. Chegou no ponto de ônibus e sentou. Chorou. Chorou sozinha. Não conseguiu xingar os idiotas e possivelmente bêbados que passaram de carro fazendo gracinha. Gritou no meio da rua, esperniou, chorou até molhar a blusa branca. Nunca tinha passado por uma crise nervosa.

4 comentários:

Anna Vitória disse...

Primeiro pensei que fosse um texto fictício, mas pela tag percebi que não era. Então só me resta dizer que você escreveu um texto bonito com teus nervos, e que precisando você já sabe que tem uma mineira aqui (que já teve algumas crises nervosas) que é um bom ouvido, ainda que virtual.
beijo!

carlos massari disse...

as noites e a intensidade. viver é isso aí.

Anônimo disse...

Esse texto quebrou um pouco da imagem que eu construí de você, através dos textos do seu blog. E isso não é uma crítica, de jeito nenhum. Por favor, não pense mal!

Mas é que sempre te achei divertida, alto-astral, determinada e muito inteligente. Aí, ao ler um texto desses e pensar que realmente pode ser um desabafo, me deixa perplexa ao saber que alguém tão legal como você, passou por uma situação dessas.

Beijos

Mel disse...

Também achei que fosse fictício. Daí vi que não era, pela tag. E como desejar que você escreva outros textos tão vivos como este, correndo o risco de ele serem outros desabafos de outras crises nervosas? É a vida. E passa. Mas escreva, sempre.
beijo!